sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Os outros

         Eles estão por aí, espalhados por tudo, como um vírus vagabundo e sem cura.  É só olhar para o lado e querer ver: estão fora dos próprios corpos. Não sabem quem são. Têm nome, sobrenome, mas sequer têm noção da tribo  a que pertencem.

         Alguns inventam uns grunhidos para se comunicar com seus semelhantes. E, enquanto nenhum deles descobre um jeito de registrar essas bobagens, os que ficam pra depois, aumentam a história. Alguns  se revoltam com os outros uns, (os que emitem outros grunhidos). E assim vão se descabelando, batendo no peito,  fugindo das feras que  são mais perigosas que eles.

            Numa dessas, alguns deles – não necessariamente os mesmos uns de uma outra parte -  descobrem que podem fazer mágica. Dá trabalho, mas depois de esfregar umas pedras nas outras e fazer uma fogueirinha, tudo fica mais fácil, até dar nome à coisas que enxergam à noite e outras que  inventam para caçar outros uns bem parecidos com eles, porém mais estúpidos e saborosos.

            Os uns (e outros também)  inventam de dizer coisas estranhas... que a Terra é que gira em torno do céu, imagina? Acabam fritando na mais fantástica invenção desse grupelho estranho que não sabe de onde veio e pra onde vai. Teve um bem esquisito, meio curandeiro, meio revolucionário. Perambulava por aí dizendo que somos todos iguais, que somo todos irmãos (e não uns e outros). Andou arrumando confusão nuns lugares chiques, se meteu com gente poderosa. Tinha um monte de amigos e seguidores, mas na hora que a coisa ficou feia, só a mãe e a namoradinha ficaram para assistir o desfecho. Acabou virando comida de urubu.
            
             Mas, uns (uns muitos) dizem que ele não morreu, ou que morreu e depois voltou à vida. Contam cada história deste cara... que ele é filho de um deus e de uma mulher virgem. No fundo, ninguém acredita, mas todo mundo passa esta história adiante há uns bons milênios. Aliás, esse negócio de milênios, anos, segundos, meses, horóscopo, relógio, cartão-ponto... é tudo invenção deles.

            Alguns aprendem a arrastar multidões de semelhantes num mesmo grunhido, com fogaréus bem maiores, pra dentro de esconderijos onde voltaram para os corpos de onde nunca deviam ter saído. Aliás, dizem que esses uns eram bem parecidos com aquele curandeiro que ficou pendurado na cruz. Mas, nas fotografias, ele se parece com os que empunhavam o sinal de uma outra cruz, meio torta nas pontas.  Bem estranhos esses uns.

            O que eles não entendem, eles inventam. São muito bons nesse negócio de invenções. Inventaram o próprio começo de sua raça, e suas invenções vão acabar descobrindo o fim dela. Talvez eles se não se importem muito com isso, afinal, é de sua natureza curiosa ir até as últimas consequências.

            Mas, enfim, alguns pretensiosos contam a história deles. Como se estivessem de fora, falando com voz de outros, como se não fizessem parte da mesma turma. Tribo bem estranha essa dos humaninhos.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Carta de amor a Telma Scherer

Não estou apenas aproveitando o ensejo desta polêmica provinciana que aconteceu com a escritora que teve o seu direito de manifestar sua arte em praça pública arrancado à força. http://www.youtube.com/watch?v=C20SQnXgMr8

Estou exercitando algo que um dia alguém muito importante na vida de minha família sugeriu que tentássemos fazer quando há a necessidade de perdoar alguém que amamos. Escrever uma carta de amor.

Não tenho mágoa alguma relacionada à Telma, pelo contrário. Não tivemos uma convivência exatamente larga para qualquer atrito. Mas, sim, o amor existe, pois nos tornamos amigas. Amigas de encontros mais ou menos raros – nós duas andamos muito ocupadas ultimamente. De poucas cartas, mas muitas mensagens telepáticas.

Talvez eu é que tenha que me perdoar de uma certa “inveja do bem” que sempre senti ao vê-la realizar seu trabalho, sua poesia a plenos pulmões, enquanto eu, em diversos aspectos da minha vida pessoal e profissional ainda me esconda sob os escombros que a vida burocrática exige.

Horas antes de realizar sua performance, pensava em inventar uma doença para ver a escritora na praça dizendo “Não alimente o Escritor”. Meu namorado que é amigo e colega de profissão de Telma esteve na praça, mas saiu antes de vê-la sendo detida. Só soube o que aconteceu tarde da noite, ao chegar em casa após o trabalho e entrar na internet.

Naquela noite em que eu estava na casa de minha mãe, o telefonema dele na madrugada me avisando sobre o ocorrido me tirou o sono. Me fez sentir muita raiva. Aflorou a dor de um universo que me cerca em várias direções.

Como Telma, também escrevo; porém, muito menos do que gostaria. Tenho várias desculpas socialmente aceitáveis para isto, mas isto aqui não vem ao caso. A não ser pelo fato de que sei como é mágico e também dorido sentir demais o mundo. Às vezes, só a escrita alivia o que nem xamã, psicólogo ou exorcista estariam habilitados.

Esta repressão que a poeta sofreu só me reforçou o nojo que tenho pela polícia. Perdi meu pai de forma brutal. Em um assalto à mão armada no seu local de trabalho. A polícia só prendeu um dos assaltantes na ocasião de outro assalto, em outro lugar, um ano depois, na “sorte” de um flagrante.

A polícia foi omissa, tinha meios de ir atrás do acusado que já era reincidente e nem estava se escondendo. Continuava no seu ofício e minha irmã o viu passar pela frente de nossa casa mais de uma vez, avisar a polícia ... e nada. Nossa família viveu em tensão durante muito tempo até o reconhecimento do criminoso e sua prisão. Agora ele está solto por bom comportamento.

A polícia não fez o seu trabalho tão bem feito como na Feira do Livro. Ali eles foram exemplares. Detiveram a criminosa em flagrante, com sua arma na mão. Sua palavra.

Não tenho como perdoar os assassinos de meu pai. Não consigo perdoar a polícia corrupta e a justiça lenta deste país. O tempo só ajuda a conviver com os fatos. Mas, poderia escrever uma carta de amor a meu pai, porque preciso perdoar a sua perda e o buraco que nunca vai ser preenchido. Mas, agora, só consigo pensar no que minha amiga passou e na necessidade de escrever-lhe uma carta de amor.

Comecei a escrever esta carta atrás de um daqueles papéis que os restaurantes de shoppings (eu trabalho em um) usam como veículo de publicidade e toalha de mesa. Estou finalizando-a aqui, posteriormente, pois, em dado momento, meu prato chegou e eu devia almoçar e voltar para minha vida de funcionária assim que engolisse a comida e acabasse meu intervalo.



                                                Carta de amor a Telma Scherer

Querida amiga

Gostaria que fôssemos mais amigas ainda. Pessoas com tua coragem e tua luz fizeram falta na minha vida. Só há pouco tempo – depois de me conhecer um pouquito – percebi o encontro com anjos da tua espécie.


Queria ter chutado o meu próprio balde naquela sexta-feira . Mandado o emprego que me paga algumas contas às favas naquele dia e simplesmente curtir a Feira. Comprar uns livros baratos e raros nos balaios. Cruzar contigo acorrentada a uma casinha de cachorro e parar para te assistir.


Queria estar na praça, Telma. Queria ver a escritora abrir as veias e mostrar a cor do sangue ao público. Queria cuspir na cara de um militar, porque, palavra – eu não ia conseguir vê-los te arrancar dali sem lembrar a omissão da polícia para com os crimes de verdade. Queria ter sido presa por desacato, perturbação da ordem, resistência (não foram estas as palavras?) Só para poder estar mais perto desta dor e ser solidária mais de perto.

Queria,
participar
daquele grito triste
me contaminar
do veneno que desalinha
as arestas de meu
imenso cubo de gelo


ser tocada de perto
por aquele calor
que derrete o medo
de se ver ao avesso


( o lado de verdade)
as palavras jorrando
entranhas abaixo, 
                          mulherzinha.

Eu sei, Telma, é inútil trançar com palavras.


Mas, eu desço do salto toda vez que morro. E agora, enquanto te escrevo, eu também lembro das vezes que eu estive viva, te assistindo nascer e morrer.


Defendeste meu poema sem saber que era meu no júri de um concurso literário – nossa, fiquei tão honrada com tal, moça. Vê-la declamando “todo verme, todo germe” em meio às prateleiras de livros empoeirados me encheu de inveja e amor. Inveja da boa, eu sei que sabes que existe e que sentes também. Talvez até de mim. Seria uma honra.

Sei que este momento difícil será inutensílio para mais poesia, querida. Mais vida e morte. Esse negócio, enfim no qual a gente é viciado e não quer escapar.




Um abraço atrasado de quem queria ter estado junto, mas escolheu não poder ir.

Um abraço apertado na próxima vez que nos vermos, acompanhados de chá de alecrim e um caleidoscópio confeccionado por nós para viajarmos por horas e horas e horas.


O mundo é podre, mas a gente vê paisagem em tudo.



Beijo no coração, com muito amor.



Andréia Laimer

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Um bom motivo para não gostar de lasanha



Eu não gosto de lasanha. E quanto mais o tempo passa, tenho mais certeza de que as lasanhas que eu experimento são iguais. Portanto, decidi que ainda não gosto de lasanha.
Pronto. Falei. Mais uma confissão gastronomicamente fora do gosto comum...

Mas, já perceberam como as lasanhas, sejam as feitas no sacrosanto lar, congeladas, ou mesmo preparadas em restaurantes, são extremamente salgadas?

Normalmente prepara-se um molho com carne moída ou frango desfiado - tudo beeeeem temperado, como quase tudo na nossa culinária com quilos de sal.

E tem o molho branco. E lá vai mais um salzinho (ou aqueles temperos em cubinhos) pra não ficar sem gosto. E sim, o astro principal da lasanha, o insubstituível queijo.

Quilos de queijo muzzarela, um dos mais gordurosos e salgados da face da terra. Sem contar o outros convidados como presunto, milho verde em conserva (o que os conserva é nada mais do que água e  sal) parmesão ralado...

Ah, tem sempre aquela trinca de quetchup/mostarda/maionese que muita gente adora no prato para acompanhar a lasanha.

O molho-base da lasanha acaba sendo preparado como se fosse feito para acompanhar um macarrão normal.
Mas não é, não deveria ser.

Eu nunca  fiz  uma lasanha dos meus sonhos por falta de paciência:
acho uma trabalheira danada aquele monte de camadas de massa, mais montes de camadas de queijo salgado que tomam conta de tudo não deixando espaço para qualquer outro sabor.


Lasanha sem queijo continua sendo lasanha?

 ...

Pelo sim, pelo não, seja pelo sabor e/ou pela saúde, vale a dica para quem nunca comeu uma lasanha com gosto de alguma coisa além de queijo com sal:

Peguemos leve no preparo do molho, para equilibrar o absurdo  de sal que o  queijo já tem.

...

Não nos esqueçamos, sal é tipo de tempero, não é o único. Tampouco é dispensável (ao menos para quem ainda não tem problemas de hipertensão e lá vai pedrada - nos rins, principalmente).

Porém, com equilíbrio, dá pra fazer tudo de melhor e gostoso na cozinha com pouco sal. Há um leque infinito de ervas e outros temperos que saborizam e dão um toque especial aos preparos.


  
Receitinha para o molho da lasanha que eu nunca fiz:

(mas, creiam, ficará bom, a garantia é meu macarrão que é mais fácil de preparar que uma lasanha. Meus convidados comem de joelhos.)

- Cozinhe a carne moída ou o frango do jeito que você costuma sempre fazer, só que com 1/4 da quantidade de sal que você costuma usar.

(experimente colocar menos que isso, um quase nada de sal, e no final, só por descargo de consciência, só mais uma pitadinha de leve.

- Para compensar a "falta" do sal, dê o seu toque com alguma erva ou tempero que você goste.

Pimenta preta moída em grão moída na hora tá valendo.
Um galhinho de alecrim que deve ser tirado depois.
Pra quem gosta do gostão, pimentão.
E por aí vai.
(Sazon não vale!)

- Como um mantra, repita mentalmente ou em voz alta enquanto prova:

"Para comer com um arroz ou spaghetti,
isso tá totalmente sem gosto, tá uma bosta,
mas para uma lasanha tá perfeito"


Depois, monte a sua lasanha de sempre com a tonelada de queijo de sempre.



E tem mais:


- se for carne bovina moída, creia:
não precisa de nenhuma gordura adicional,
 ela é megagorda -
experimente vê-la na panela
soltando a própria banha...

- Dê preferência a um molho real

 feito com coisas reais, tipo tomate, cebola, alho...

 molhos prontos normalmente
 também são bem salgados - se for usá-lo,
 lembre-se de pensar no resultado final
e diminuir mais ainda a pitada do sal.


 - ervas frescas
para lasanha, eu recomendo manjericão fresco...umas folhinhas por cima
da lasanha...huuuuuum.... sabe aquele toque italiano?

Um dia eu comi uma lasanha num restaurante - megassalgada, óbvio
mas, as folhinhas de manjericão... quanta diferença...
imaginem com uma colher de sal a menos.


Seria a lasanha dos meus sonhos.



quinta-feira, 5 de novembro de 2009

veneno da lata



Nunca fui uma fã enlouquecida de doces. Bom para os meus quadris. Mas, como todo ser humano, me dou o luxo de sentir prazer absoluto ao comer um bom chocolate.

Uma caixa de bombons ou barra de chocolate duram bastante tempo pra mim. Deixo um quadradinho derretendo na língua e, depois, simplesmente os esqueço por um tempo. Quando bate a vontade dum docinho e lembro que havia uma barra na geladeira, não há mais. Alguém com gosto mais típico já fez o óbvio de fazer da minha sobremesa a sua refeição. Em milésimos de segundo.

Sou a única pessoa que conheço pessoalmente que não gosta (mais) de leite condensado. Puro, simplesmente me causa engulhos. Certamente porque na infância eu emborquei uma latinha sozinha, e,desde então, só consigo consumir se estiver presente em alguma boa receita que disfarce o gosto enjoativo da iguaria.

O resultado da equação perfeita entre leite condensado + chocolate = uma das minhas fraquezas. O negrinho – brigadeiro para a maioria dos brasileiros – tem um lugar diferenciado no meu paladar pouco chegado aos extremos do açúcar.


sem nescau
sem manteiga
sem granulado
sem forminhas de papel

com leite condensado
com chocolate amargo
com colher de pau

no fogo
até ver
o fundo da panela
                   e nela
fazer a festa


Para demorar-se ( a dois ) em pacíficas colheradas.